Como guardiões da Terra, os 476 milhões de indígenas que vivem em mais de 90 países têm um papel essencial a desempenhar no futuro do nosso planeta. Gerações de conhecimento tradicional, responsabilidade cultural e manejo sustentável da terra comprovaram o quão fundamentais são as vozes indígenas tanto para proteger nosso planeta quanto para resolver a crise alimentar global.

Porém, há décadas, povos indígenas e ativistas exigem ação urgente sobre mudanças climáticas e segurança alimentar — reivindicações que foram em grande parte negligenciadas. Como protetores de mais de 80% da biodiversidade que resta no mundo, sua liderança e envolvimento são a chave para um futuro resiliente e sustentável.

E duas coisas são claras — as vozes indígenas devem ser ouvidas, e suas recomendações devem ser levadas a sério.

Por isso, em 2011, o Fórum dos Povos Indígenas (IPFI, na sigla em inglês) foi lançado pela agência da ONU, o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), para garantir um diálogo aberto e presencial entre as comunidades no centro das mudanças climáticas e as agências de desenvolvimento na linha de frente. O Fórum dos Povos Indígenas de 2023 acontece de 9 a 13 de fevereiro e reúne líderes indígenas para discutir segurança alimentar, ação climática, conhecimento tradicional e muito mais.

As comunidades indígenas enfrentam as mudanças climáticas todos os dias — uma das razões pelas quais é importante que tenham a oportunidade de moldar o futuro da ação climática e orientar medidas de adaptação além de suas comunidades.

Apesar de contribuírem muito pouco para as emissões climáticas, os povos indígenas estão entre as comunidades que mais sofrem com seus impactos, que ameaçam a segurança alimentar, os meios de subsistência e milênios de cultura. Aqui estão cinco motivos fundamentais pelos quais é essencial garantir que as vozes indígenas estejam presentes em todas as discussões climáticas.

1. Guardiões do saber

De padrões climáticos incomuns ao manejo da terra e agricultura de subsistência, os povos indígenas passaram milênios acumulando conhecimento sobre seu ambiente. Essa sabedoria local pode nos ajudar a prever e nos adaptar às mudanças climáticas aceleradas em escala global, porque proteger e conservar ecossistemas e natureza significa preservar a diversidade das culturas humanas.

Apenas 6% da população global é indígena. Ainda assim, eles falam mais de 4.000 idiomas, incluindo palavras e conceitos únicos para descrever como interagem com a natureza, demonstrando uma relação respeitosa e simbiótica.

Triệu Thị Tàn, curandeira tradicional da comunidade Dao-Que Lam residente na aldeia de Phien Phang, no norte do Vietnã, utilizou saberes tradicionais para salvar a vida de sua filha durante a gestação com uma receita herdada de sua avó.

Tal qual gerações anteriores, ela coleta e cultiva plantas medicinais nos complexos ecossistemas de floresta próximos de sua casa, empregando conhecimento ancestral para o cultivo de plantas medicinais que só sobrevivem onde seu habitat original está preservado.

2. Sistemas alimentares que salvam vidas

A crise climática está aumentando as taxas de fome no mundo todo. Hoje, as realidades das redes globalizadas e anos de crises acumuladas, como guerra e COVID-19, revelaram as fraquezas do sistema alimentar global. Apenas de 2019 a 2022, o número de pessoas desnutridas cresceu em até 150 milhões.

Uma das melhores soluções é construir sistemas alimentares resilientes nas comunidades, com o conhecimento indígena servindo tanto como beneficiário quanto como motor das respostas que precisamos para conter a fome.

Os sistemas alimentares dos povos indígenas tradicionalmente fornecem dietas saudáveis ancoradas em práticas sustentáveis de subsistência. Um dos principais objetivos do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) sempre foi colocar pequenos agricultores e outras populações rurais no centro do trabalho de transformação dos sistemas alimentares, promovendo soluções orientadas para a ação e sustentáveis para os sistemas alimentares ao redor do mundo.

Isso inclui o investimento do FIDA no Slow Foods — um programa dedicado a melhorar "cadeias de valor locais para alimentos tradicionais" e que opera em 86 países, ajudando agricultores indígenas a manter cultivos tradicionais e práticas agrícolas enquanto protegem a biodiversidade e espécies em risco de extinção. Os agricultores são então encorajados a ampliar a produção para vender no mercado comercial nacional, como cidades e produtores atacadistas.

Pequenos produtores rurais, que já enfrentam secas e eventos climáticos extremos, continuarão a enfrentar os maiores impactos das mudanças climáticas. Programas como o Slow Food ajudam a preservar a agricultura geracional que pode orientar a agricultura sustentável para o futuro, promover a segurança nutricional mundial e gerar renda no nível comunitário.

3. Protegendo a biodiversidade

A diversidade biológica, ou biodiversidade, é a variedade de todos os seres vivos, bem como a forma como essas espécies interagem entre si. Essas relações podem levar tanto à extinção de espécies quanto à criação de novas, um processo natural que existe em harmonia com as práticas sustentáveis defendidas pelas comunidades indígenas.

Da biodiversidade restante do mundo, impressionantes 80% estão localizados nas terras dos povos indígenas, que usam métodos de agricultura sustentável e práticas de manejo da terra que ajudam a proteger essa diversidade biológica. Preservar a biodiversidade e reduzir as emissões de gases de efeito estufa ao redor do mundo é crucial para enfrentar a crise climática.

Séculos de desmatamento, a expansão de terras agrícolas, a caça de animais selvagens, bem como as adições mais recentes de combustíveis fósseis e os impactos das mudanças climáticas colocam as comunidades indígenas e nosso planeta em risco.

É por isso que o Fórum dos Povos Indígenas deste ano está se reunindo sob o tema "Liderança climática dos povos indígenas: soluções comunitárias para aumentar a resiliência e biodiversidade", em apoio aos povos indígenas e seu papel na proteção da diversidade, "uma colheita por vez".


Na Amazônia peruana, oportunidades de emprego na exploração de gás atraíram muitas comunidades indígenas para trabalhos na área. Mas quando leis rígidas da COVID-19 em 2020 forçaram o fechamento de locais de trabalho de mineração, muitas famílias indígenas retornaram à agricultura em suas terras tradicionais como meio de sobrevivência, usando conhecimento e práticas agrícolas baseadas na conservação que protegem seus meios de subsistência e o meio ambiente.

4. Garantindo a conservação e proteção da vida selvagem

Embora a quantidade exata não seja conhecida, estima-se que 50-65% das terras do mundo estejam sob posse de povos indígenas e outras comunidades, servindo até 2,5 bilhões de pessoas indígenas e não indígenas que dependem dessa terra para seu sustento e bem-estar.

Quase dois terços dessas terras são consideradas "essencialmente naturais" — um termo jurídico internacionalmente reconhecido para descrever como as comunidades indígenas vivem em harmonia com a natureza e o papel essencial que desempenham em sua conservação. Em 2022, isso foi reconhecido na Conferência de Biodiversidade da ONU (COP15) no Canadá, quando 190 países assinaram a "Agenda 30 x 30", pedindo a proteção de 30% da biodiversidade terrestre e marinha do mundo, ao mesmo tempo em que reconheceram o papel das comunidades indígenas como "guardiãs da natureza".

Como exemplo, a comunidade indígena dos povos Manobo nas Filipinas protegeu sua terra natal, a Ilha de Pangasinan, através de práticas de cultivo e cuidado da terra por séculos, segundo a Vox. Gerações de cultivo "intuitivo" contribuíram para uma ilha abundante em vida selvagem, alocando temporadas específicas de caça e áreas dedicadas à agricultura.

5. Ação climática do futuro

Em muitas regiões do mundo, as comunidades indígenas são nossa última linha de defesa contra as mudanças climáticas. Coletivamente, elas administram mais de 24% do carbono mundial armazenado em florestas tropicais e biomassa, mantendo o dióxido de carbono que aprisiona o calor fora da atmosfera. Somente na floresta amazônica, lar de mais de 400 tribos indígenas, quase 200 gigatoneladas métricas de dióxido de carbono estão armazenadas em áreas protegidas ameaçadas pelo desmatamento e agricultura comercial.

Nas próximas décadas, milhões de animais e plantas estarão em risco de extinção devido ao declínio da biodiversidade mundial em taxas nunca antes testemunhadas na história humana. Nosso clima está mudando, e seus efeitos são sentidos em todos os aspectos da vida, incluindo segurança alimentar, igualdade de gênero, estabilidade política e paz. Os povos indígenas detêm a chave para desenvolver soluções futuras, graças em parte a fóruns abertos como o Fórum dos Povos Indígenas no FIDA, que se baseiam na riqueza de conhecimento, sabedoria e liderança que suas comunidades oferecem.

Isso acontece porque os povos indígenas já estão reagindo às mudanças climáticas, por meio de métodos sustentáveis que utilizam há centenas de anos.

Impulsionado pelos impactos da guerra na Ucrânia, a pandemia de COVID-19 e as mudanças climáticas, o mundo enfrenta a maior crise alimentar da história moderna. O conhecimento indígena desempenha um papel importante na prevenção de futuras crises alimentares e na resolução da atual. Por meio de ações comunitárias e mobilização nacional e internacional, estão criando iniciativas práticas de adaptação e soluções para o futuro

Advocacy

Derrote a Pobreza

Guardiões do Saber: por que os povos indígenas são a chave para o futuro do planeta

Por Camille May