A sala vibra não apenas com uma única língua, mas com muitas. Em volta de uma mesa, sentam-se líderes que representam as grandes nações indígenas da Bacia Amazônica. Um deles usa um cocar de penas de arara brilhantes do Brasil; outro, o intrincado trabalho em miçangas das encostas andinas da Colômbia. Linhas geométricas de jenipapo preto (um corante feito de um fruto amazônico) contornam o maxilar de um líder do Peru, enquanto os tons sutis e terrosos do algodão adornam outro da Guiana. Eles formam um mosaico vivo da maior floresta do mundo, um testemunho vibrante de sua diversidade. E, apesar de suas origens e tradições diferentes, eles se reuniram para falar com uma única voz: o G9 da Amazônia Indígena.

Essa voz coletiva se levanta em um momento de foco global sem precedentes sobre seu território. A atenção do mundo está voltada para o Brasil, que se prepara para sediar a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP30, em Belém do Pará, uma metrópole no coração da Amazônia. Esta cúpula já é histórica, prometendo contar com a maior participação indígena da história dessas conferências, com cerca de 3.000 líderes presentes.

Ainda assim, esse momento importante destaca um paradoxo: decisões de importância global estão sendo tomadas no quintal da Amazônia, mas as vozes dos principais defensores da floresta há muito tempo estão sendo deixadas de lado. Para quebrar esse ciclo, o G9 da Amazônia Indígena surgiu como uma resposta poderosa e compartilhada - uma coalizão de nove países amazônicos que exige seu papel central na governança climática. 

Por que a Aliança G9 é Importante para o Mundo

A demanda do G9 se baseia em um princípio fundamental, agora respaldado por dados incontestáveis: os povos Indígenas são as autoridades e os gestores mais eficazes do bioma da Amazônia. A prova é contundente. Entre 1985 e 2023, os territórios indígenas no Brasil perderam apenas 1% de sua vegetação nativa. Em contraste, as áreas privadas perderam 28%. Esse sucesso torna a proteção de suas terras essencial para que o Brasil cumpra seus compromissos climáticos, incluindo a meta de desmatamento zero até 2030 e suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) no âmbito do Acordo de Paris.

Esse êxito é ainda mais notável considerando o longo histórico de exclusão sistêmica e a falta de apoio adequado — justamente as barreiras que levaram à formação do G9.

Quem é o G9? Uma Frente Transnacional pela Floresta

O G9 da Amazônia Indígena é uma aliança estratégica de organizações indígenas de nove países amazônicos: Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Suas origens remontam a 2024, quando a COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) e a OPIAC (Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana) propuseram pela primeira vez uma coalizão durante os encontros pré-COP em Bogotá, antes da COP16. Sua missão é reconectar e fortalecer alianças, garantindo que os guardiões da Amazônia falem com uma voz coletiva e inconfundível em espaços globais como a COP30.

Como recorda Angela Kaxuyana, representante da Bacia Amazônica pela COIAB:

“Em relação a criação do G9 da Amazônia Indígena, foi uma iniciativa das nove organizações indígenas da Bacia Amazônica, que são membros da COICA. Surgiu da necessidade de fortalecer e delinear agendas comuns no contexto das COPs.”

A aliança foi concebida como um poderoso contraponto político aos blocos econômicos. Como explica Angela Kaxuyana, o G9 redefine quem detém o verdadeiro poder:

“A liderança começou a refletir que os poderes da biodiversidade, os poderes do clima e as autoridades sobre o clima são os povos indígenas. Como um contraponto político ao G20, nós somos o G9, criado para levar a agenda da Amazônia a partir de uma perspectiva indígena.”

O G9 não é uma organização formal, mas um “espaço para narrativas” e construção de coalizões. Suas prioridades são claras: reconhecimento dos direitos territoriais, financiamento direto, conservação da biodiversidade e proteção de comunidades voluntariamente isoladas.

Rumo à COP30

Em junho de 2025, membros da coalizão G9 se reuniram em Brasília, Brasil, para a Cúpula Indígena Pré-COP30. Lá, eles apresentaram as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) Indígenas, modeladas segundo o Acordo de Paris, e consolidaram sua estratégia para Belém.

Kaxuyana explica a estratégia: “Para a COP30 em Belém, o G9 estabeleceu diversas alianças e demandas muito concretas. A partir dessas reuniões, sistematizamos um bloco de demandas para a Bacia Amazônica. Com essa união, com essa voz única, pretendemos levar esses documentos já decididos, escritos e sistematizados, que dizem de forma muito direta o que nós, povos indígenas, temos a dizer.”

A Plataforma do G9: Um Chamado à Reforma

A estratégia do G9 para a COP30 é um esforço coordenado para chegar com uma mensagem única e propostas concretas estruturadas em quatro pilares centrais:

  1.  Poder Real, Não Simbolismo
    O G9 inicialmente exigiu a copresidência da COP30. Embora isso não tenha sido concedido, sua pressão levou à criação de um novo órgão oficial, o Círculo dos Povos. Agora, a missão do G9 é garantir que esse não seja um espaço meramente simbólico, mas sim um lugar de tomada de decisão genuína.
  2. Um Escudo para o Planeta: Territórios como Ação Climática
    No centro de sua plataforma está a demarcação total de todos os territórios indígenas. Como enfatiza Angela Kaxuyana: “Não basta apenas reconhecer que a demarcação de territórios é política climática; as ações de demarcação precisam ser políticas climáticas. O reconhecimento não é suficiente — é preciso que seja incorporado aos compromissos e ações dos Estados.”
  3. Um Fluxo Direto de Recursos: Autonomia Financeira
    Os números revelam o escopo do problema do déficit financeiro: embora os povos indígenas protejam 80% da biodiversidade remanescente do mundo, recebem menos de 1% do financiamento climático internacional. Isso significa que os defensores mais eficazes da floresta são sistematicamente excluídos dos recursos necessários para continuar seu trabalho.

    A aliança insiste que os fundos climáticos cheguem diretamente às organizações indígenas. Kaxuyana fala sobre a “corrida contra o tempo” para o acesso direto aos fundos climáticos globais. A aliança exige uma mudança drástica em como o financiamento é distribuído, e sua definição de “direto” é inequívoca: “Financiamento direto para nós não significa via os Estados ou via organizações terceiras. Precisa chegar às próprias organizações indígenas, diretamente nos territórios — para nossos próprios fundos, nossos próprios mecanismos.”
  4. Uma Moratória à Extração
    Por fim, o G9 apresenta uma frente unificada contra o principal motor do desmatamento e dos conflitos. Uma exigência comum em toda a Bacia Amazônica é manter os territórios indígenas livres da exploração de petróleo, gás e minerais. Como confirma Kaxuyana, a mensagem deles é que todos os países devem se comprometer a: “...manter os territórios indígenas como uma zona livre da exploração de petróleo, gás e outros minerais.”

Uma Mensagem para o Mundo

Quando perguntada sobre o que significaria o sucesso na COP30, Kaxuyana responde com urgência: “Nossa principal mensagem é… que a voz dos povos indígenas da Bacia Amazônica ecoe como um só som… [e] que os Estados-partes da COP não apenas considerem, mas se comprometam com ações — ações de demarcação dos territórios indígenas e reconhecimento dos territórios indígenas como ações climáticas efetivas.”

Algumas das prioridades centrais incluem o reconhecimento e a proteção legal de todos os territórios indígenas, especialmente aqueles mais ameaçados pela exploração; financiamento direto e autonomia financeira para fortalecer a autodeterminação; representação garantida e participação significativa nos espaços de tomada de decisão; proteção dos líderes e defensores indígenas que enfrentam ameaças e violências; e a integração dos sistemas de conhecimento indígena nas políticas climáticas e ambientais. Essas prioridades estão fortemente alinhadas à agenda mais ampla do G9. Para informações mais detalhadas sobre as prioridades da COIAB para o Brasil, leia mais aqui.

Como os Global Citizen Podem Apoiar o G9

O G9 deixou sua plataforma clara. O próximo passo é a solidariedade. Global Citizens podem se posicionar ao lado dos povos indígenas e comunidades tradicionais ao:

  1. Defender suas demandas: Amplifique seus chamados para que o Círculo dos Povos tenha poder real e apoie seu reconhecimento como “Poderes Climáticos”.
  2. Proteger suas terras e direitos: Esteja em solidariedade com a demanda por demarcação total e apoie o pedido de moratória à exploração em seus territórios.
  3. Exigir justiça financeira: Apoie a demanda por financiamento climático direto para fundos liderados por indígenas, sem intermediários burocráticos.
  4. Apoiar diretamente os organizadores: Forneça recursos a grupos como a COIAB para fortalecer sua capacidade de atuação.

Uma Mudança na Liderança Climática Global

A imagem desse conselho diverso — as penas brilhantes, os rostos determinados de líderes de nove nações — é mais do que um símbolo. É o novo rosto da liderança climática global. O rugido das motosserras e das perfuratrizes de petróleo está sendo desafiado pela voz unificada dos defensores mais antigos da floresta.

Isso representa uma mudança profunda de poder, das salas de reunião distantes para o coração da floresta, de uma imposição de cima para baixo para um modelo enraizado na comunidade e na justiça. O G9 não são apenas partes interessadas pedindo um lugar à mesa. Eles são os indispensáveis “Poderes Climáticos”, reivindicando seu papel legítimo na governança do planeta. Estar ao lado deles é reconhecer que o caminho para um futuro habitável passa pela sabedoria e resiliência dos guardiões indígenas da Amazônia.

Global Citizen Explains

Defenda o Planeta

O G9: Lideranças Indígenas Unindo Nove Nações pelo Futuro da Amazônia

Por Gabriel Siqueira