Há décadas, as mudanças climáticas estão entre os desafios globais mais urgentes e existenciais - uma crise que exige que os 193 países do mundo se unam para conter as emissões de carbono e, em termos diretos, salvar o planeta.

Mas há um grande e evidente problema: enfrentar a crise climática custa caro, e ninguém quer pagar essa conta.

As mudanças climáticas estão se acelerando, e seus custos também. Se não reformarmos rapidamente os mecanismos financeiros internacionais, corremos o risco de enfrentar uma devastação tanto econômica quanto ambiental. Em novembro passado, a conferência da ONU sobre mudanças climáticas, a COP29, terminou com os países ricos se comprometendo a mobilizar pelo menos US$300 bilhões de dólares por ano para apoiar os países do Sul Global na luta contra as mudanças climáticas e na transição para energia limpa, com a meta de alcançar pelo menos US$1,3 trilhão de dólares anuais até 2035.

Chegar lá não será fácil. E é exatamente por isso que precisamos de um plano de ação.

Apresentamos a visão da Global Citizen para uma rota justa de financiamento climático. Submetido à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o Roteiro de Baku a Belém é um guia ousado e prático de financiamento, que detalha exatamente como os países podem formular políticas e orçamentos para viabilizar os US$1,3 trilhão de dólares - e garantir que esse dinheiro chegue a quem mais precisa.

Mas como isso funciona, na prática? Vamos explicar por partes.

Um Sistema Quebrado

Atualmente, as fontes tradicionais de financiamento (como a ajuda externa e os empréstimos concessionais) não são suficientes. Os países do Sul Global, especialmente os mais vulneráveis às mudanças climáticas, simplesmente não têm condições de investir simultaneamente em bem-estar social e resiliência climática.

Por quê? Porque o sistema financeiro global está ultrapassado. Criado há mais de 80 anos, ele não foi projetado para lidar com os desafios do mundo de hoje. Para alcançar os US$1,3 trilhão de dólares necessários, precisamos de um cronograma claro, mecanismos robustos de responsabilização, novas fontes de financiamento e NDCs ambiciosas (do inglês Nationally Determined Contributions - Contribuições Nacionalmente Determinadas, em português), além dos planos que cada país estabelece para reduzir emissões e fortalecer sua resiliência climática.

A questão não é apenas aumentar o volume de recursos disponíveis - é garantir que esses recursos sejam direcionados para onde terão o maior impacto.

Quem Paga a Conta

Historicamente, o financiamento climático tem sido distribuído de forma extremamente desigual. Paradoxalmente, os países e comunidades que mais sofrem com desastres climáticos são justamente os que menos recebem apoio.

Veja como o dinheiro se perde no emaranhado do sistema atual:

  • É Burocrático Demais: Muitos relatam que o processo é excessivamente complexo e técnico. Países do Sul Global enfrentam uma verdadeira maratona de burocracia apenas para acessar recursos climáticos essenciais de instituições internacionais. Obter financiamento de grandes fundos, como o Green Climate Fund (Fundo Verde para o Clima), pode levar anos, atrasando projetos vitais enquanto os trâmites de aprovação se arrastam lentamente.
  • É Conservador Demais: Investidores tendem a buscar apostas seguras. Com isso, projetos de adaptação essenciais, mas com baixo retorno financeiro, como sistemas de alerta precoce para desastres ou infraestrutura resiliente ao clima, acabam sendo negligenciados pelo setor privado.
  • É Injusto Demais: Em grande parte, o financiamento climático é baseado em empréstimos. No entanto, os países mais afetados pelas mudanças climáticas costumam ter baixas classificações de crédito, o que os obriga a pagar juros mais altos e aprofunda ciclos viciosos de endividamento.

Pior ainda: crises globais como a COVID-19 e desastres humanitários deixaram muitos países afundados em dívidas, tornando mais difícil do que nunca investir em um futuro mais seguro e resiliente às mudanças climáticas.

A Solução: Uma Nova Visão Para as Finanças Globais

Então - qual é o caminho?

Não precisamos apenas de mais dinheiro - precisamos de um plano para sistemas melhores. Para enfrentar de forma eficaz os desafios climáticos e de desenvolvimento, é essencial ampliar e diversificar as fontes de financiamento, estabelecer marcos regulares de monitoramento e promover maior transparência. Se tudo isso for colocado em prática, alcançar US$1,3 trilhão de dólares por ano até 2035 é possível.

Com esse objetivo, nós da Global Citizen acreditamos que o mundo deve:

1. Reformar o Sistema Global de Empréstimos. Os processos de aprovação precisam ser mais rápidos, simples e priorizar, acima de tudo, os países mais impactados pelas mudanças climáticas.

Especificamente, os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs), como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), precisam:

  • Emprestar mais, e mais rápido, especialmente em tempos de crise. Esses bancos devem ampliar os chamados mecanismos de acesso direto, nos quais instituições financeiras locais recebem os recursos diretamente dos credores, sem intermediários. Financiadores importantes, como o Fundo de Adaptação e o Fundo Verde para o Clima, já avançaram nessa direção, mas ainda é preciso ver muito mais progresso.
  • Usar os recursos de forma criativa. O modelo tradicional já não é suficiente. É preciso adotar soluções inovadoras de financiamento, como o blended finance (a combinação de recursos públicos e privados) e mecanismos de seguro, para atrair investimentos justamente onde eles são mais necessários.
  • Priorizar subsídios e empréstimos com juros baixos, especialmente para ações de adaptação climática. Também é essencial expandir ferramentas de alívio da dívida, como os climate debt swaps, acordos em que parte dos empréstimos é perdoada em troca de investimentos em projetos locais de adaptação.

2. Reduzir o Desequilíbrio de Poder - e Garantir Prestação de Contas. O financiamento climático ainda está nas mãos das nações mais ricas. Já passou da hora de mudar essa realidade.

  • Fortalecer os países vulneráveis, dando-lhes mais voz nos processos de tomada de decisão.
  • Criar mecanismos mais robustos de fiscalização. Um órgão independente (como o Comitê Permanente de Finanças da UNFCCC) poderia atuar como instância reguladora, monitorando se os compromissos estão sendo cumpridos e prevenindo informações imprecisas ou relatórios enganosos.

3. Valorizar o protagonismo de comunidades locais e povos indígenas. Atores locais conhecem melhor seus próprios territórios — inclusive como adaptá-los às mudanças do clima. No entanto, raramente são prioridade no acesso ao financiamento climático.

  • Priorizar a ação local e projetos de adaptação, direcionando recursos diretamente para organizações comunitárias de base e garantindo que elas estejam no centro da formulação e da execução das ações climáticas.
  • Proteger ecossistemas vitais, como a Amazônia. A conservação liderada por povos indígenas é reconhecida por sua eficácia na proteção da biodiversidade e no combate às mudanças climáticas. Os governos precisam apoiar essas iniciativas com políticas públicas sólidas e financiamento consistente.

4. Impulsionar uma Transição Energética Justa. Precisamos ampliar o acesso à energia renovável de forma inclusiva, garantindo que os benefícios alcancem trabalhadores locais e comunidades inteiras.

5. Implementar Novas Ferramentas de Financiamento Solidário. Podemos colocar a solidariedade em prática por meio da criação de tributos que beneficiem a todos, com potencial para gerar mais de US$100 bilhões de dólares por ano. Entre essas ferramentas, podemos destacar: 

  • Tributar bens de luxo com alta emissão de carbono, como passagens aéreas internacionais ou o combustível utilizado no transporte marítimo.
  • Fazer os poluidores pagarem, taxando indústrias altamente poluentes, como os lucros das empresas de combustíveis fósseis, e direcionando esses recursos para fundos climáticos, como o Fundo de Perdas e Danos (Loss & Damage Fund).

6. Expandir Iniciativas Direcionadas de Financiamento Climático. Precisamos impulsionar novos modelos de financiamento climático, ao invés de continuar dependentes de estruturas tradicionais e ultrapassadas.

Por Que Não Podemos Esperar

As finanças globais podem parecer técnicas e distantes. Mas elas impactam a vida de todos nós - e, com apenas cinco anos restantes para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o tempo está se esgotando.

A meta de US$1,3 trilhão de dólares deve ser vista como o piso da ambição global, não o teto. Os países precisam ser ousados e buscar recursos adicionais para ampliar os investimentos climáticos onde for possível. As ações concretas delineadas neste roteiro financeiro oferecem caminhos tanto para governos quanto para o setor privado acelerarem o financiamento, ao mesmo tempo em que derrubam barreiras enfrentadas pelas economias emergentes.

Já temos as ferramentas. Sabemos o que precisa ser feito. Agora só falta vontade política para transformar planos em ação. Porque, se mudarmos a forma como o dinheiro circula, podemos mudar tudo.

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Por Victoria MacKinnon