"Tudo o que eu via ao meu redor enquanto crescia era abuso de drogas e álcool, falta de acesso à educação, violência de gênero, muita desigualdade e muita pressão — especialmente entre os jovens. Tudo isso me fez pensar: o que posso fazer para mudar essa realidade?"
Kunda Mwitwa cresceu em Chawama, uma comunidade de baixa renda, pequena e densamente povoada, localizada em Lusaka, capital da Zâmbia. Um dia, ainda adolescente e na escola, ela ficou empolgada ao saber que uma organização iria visitar os alunos para falar sobre HIV e AIDS — usando o futebol como ferramenta. "Na minha escola não tinha time de futebol, então eu estava super animada com a ideia de me divertir", lembra Mwitwa.
Alguns anos depois, Mwitwa se tornou uma "Treinadora SKILLZ" para o Grassroot Soccer, uma organização de saúde voltada para adolescentes que usa o poder do futebol para oferecer a jovens informações que salvam vidas, além de serviços de saúde e orientação para que possam viver de forma mais saudável. As “Treinadoras SKILLZ” não são técnicas tradicionais, mas sim mentoras que estão próximas da realidade dos adolescentes, tornando temas difíceis mais fáceis de entender e até divertidos de aprender.
Mas por que o futebol? "Primeiro, porque é um esporte amado e assistido em todo o mundo", explica Mwitwa. "Além disso, a bola de futebol não é algo estranho para os jovens. Dá para comprar barato em qualquer loja, ou até fazer uma com materiais plásticos ou sacos velhos na comunidade".
A Grassroot Soccer é uma organização de saúde voltada para adolescentes que usa o poder do futebol para levar aos jovens informações que salvam vidas, além de oferecer serviços e orientação para que possam viver com mais saúde.
A Grassroot Soccer foca nos adolescentes mais velhos porque, embora as taxas globais de mortalidade entre jovens tenham diminuído, esse declínio tem sido muito mais lento do que entre crianças menores. Além disso, adolescentes tendem a se envolver com mais frequência em comportamentos de risco e raramente pensam nas consequências de suas ações.
Além de trazer informações essenciais sobre HIV e AIDS em seu currículo, a Grassroot Soccer também oferece programas sobre temas de saúde interconectados, como saúde mental, violência de gênero e saúde sexual e reprodutiva, incluindo orientações sobre o câncer do colo do útero e a vacina contra o HPV.
A Zâmbia tem a terceira maior incidência de câncer do colo do útero no mundo, onde a doença mata mais de 1.900 mulheres todos os anos. Em 2022, o câncer cervical matou cerca de 350.000 mulheres no planeta, e estima-se que uma mulher morre por essa causa a cada dois minutos no mundo.
Poucas doenças refletem tanto a desigualdade global quanto o câncer do colo do útero. Mais de 85% das pessoas afetadas são mulheres jovens com baixa escolaridade e vivendo em situação de pobreza. Mais de 90% das mortes ocorrem em países de baixa e média renda. Na África, o câncer cervical é o tipo mais comum entre as mulheres, e o segundo mais letal, atrás apenas do câncer de mama.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabeleceu a meta de eliminar o câncer cervical em todos os países do mundo até 2030. Essa eliminação global é possível porque cerca de 95% dos casos de câncer cervical são causados pelo papilomavírus humano (HPV), e a vacina contra o HPV pode prevenir mais de 90% dos cânceres ligados ao vírus antes mesmo de que eles se formem.
Reconhecendo a importância de combater um câncer que pode ser prevenido, o governo da Zâmbia implementou uma estratégia nacional de testes para HPV. O país também aderiu à meta global da OMS de eliminar o câncer do colo do útero.
Mesmo com todos os esforços para eliminar o câncer do colo do útero, a adesão à vacina contra o HPV entre meninas adolescentes na Zâmbia ainda é baixa. Em 2021, apenas 31% das meninas elegíveis no país haviam recebido as duas doses necessárias para a imunização.
O desafio, portanto, não está na oferta da vacina, mas na demanda, e é aí que entra a Grassroot Soccer. A organização incentiva comportamentos saudáveis e o uso dos serviços de saúde no país, respondendo às dúvidas dos adolescentes e combatendo desinformações perigosas que afastam os jovens do cuidado com a saúde, incluindo a vacinação contra o HPV, exames preventivos e tratamentos contra o câncer do colo do útero. Durante as sessões do programa SKILLZ, treinadores usam a linguagem do futebol, compartilham histórias reais de vida e aplicam atividades de aprendizado social para tornar mais acessíveis, e menos estigmatizados, temas importantes ligados à saúde sexual e reprodutiva.
Mwitwa explica como funciona uma sessão do programa SKILLZ: “Criamos um ambiente de aprendizado seguro e divertido. O uso de mentores que estão próximos da realidade dos jovens faz nosso modelo funcionar muito bem, porque eles entendem os desafios que esses adolescentes enfrentam. Fazemos atividades em grupo sobre os mitos relacionados ao câncer do colo do útero e passamos informações sobre a vacina contra o HPV. Os ‘Coaches’ (treinadores) também compartilham histórias pessoais de como usaram os serviços de saúde locais para se prevenir. Depois, os grupos se reúnem para trocar o que aprenderam e dizer quais serviços gostariam de acessar.”
Mwitwa acrescenta: “Participar do programa foi realmente transformador. Sempre sonhei com o momento em que eu mesma pudesse levar informação para a minha comunidade e para todo o país. A Grassroot Soccer foi um espaço seguro, onde recebi a orientação que precisava. Foi ali que percebi que eu podia me tornar uma agente de mudança na minha comunidade.”
Desde que se tornou treinadora (‘Coach’) em 2017, Mwitwa tem sido uma das treinadoras que ajudaram a impactar mais de 13 milhões de meninas adolescentes ao redor do mundo por meio dos programas da Grassroot Soccer. Ela também representou a organização em um evento paralelo à Copa do Mundo, onde compartilhou os resultados do trabalho em uma conversa com David Beckham. A Grassroot Soccer identificou que, após participarem dos programas “SKILLZ”, meninas adolescentes têm mais chances de procurar serviços de saúde, sair de relacionamentos abusivos e conversar com amigas sobre temas ligados à saúde sexual e reprodutiva.
A parte mais gratificante do trabalho para Mwitwa, no entanto, é quando os adolescentes e jovens se abrem com ela: “Eles falam sobre questões que você nunca imaginaria que contariam a alguém. Eles realmente confiam em você como pessoa, e você pode ser um mentor para eles. Até hoje, ainda mantenho sessões individuais de orientação com alguns dos adolescentes com quem trabalhei há três anos”, conta.
"Meu sonho", diz Mwitwa, "é que a Grassroot Soccer seja a principal referência quando falarmos em acesso à informação para adolescentes e jovens, e que também se torne uma plataforma onde nossos Coaches possam crescer e se desenvolver.”
Durante as sessões do programa SKILLZ, da Grassroot Soccer, os Coaches (treinadores) usam a linguagem do futebol, compartilham histórias reais e promovem atividades práticas para tornar acessíveis, e sem tabus, temas tradicionalmente estigmatizados ligados à saúde sexual e reprodutiva.
Nota da Redação: Este artigo faz parte de uma série de conteúdos viabilizada com apoio da Bill and Melinda Gates Foundation.