O espaço cívico no Sudão é considerado reprimido de acordo com o Monitor CIVICUS. E, como resultado, o país tem enfrentado frequentes protestos pró-democracia desde outubro de 2021. Entre as questões levantadas por organizações da sociedade civil e ativistas, como o Centro Africano para Estudos de Justiça e Paz, está a contínua prisão, detenção, e suposta tortura de ativistas de direitos humanos por unidades militares.
Em adição aos desafios relacionados ao estreitamento do espaço cívico, 25 milhões de pessoas no Sudão estão em risco de fome e pobreza como resultado do conflito contínuo que se iniciou em abril de 2023. Em novembro de 2023, a Agência de Refugiados da ONU disse que precisaria de quase meio bilhão de dólares para o número crescente de refugiados fugindo da guerra no país.
Nisreen Elsaim é uma das ativistas premiadas no Young Activist Summit de 2023. Nascida no Sudão, ela tem presenciado o impacto do conflito e das mudanças climáticas em seu país de origem. Nisreen é a presidente da Juventude do Sudão para Mudanças Climáticas e atua como presidente do Grupo Consultivo dos Jovens para Mudanças Climáticas do Secretário-Geral da ONU. Aqui ela compartilha como presenciar a resposta do governo aos protestos estudantis foi um catalisador para ela escolher o ativismo climático e a diplomacia como o caminho de sua carreira.
Meu nome é Nisreen e eu sou uma negociadora climática do Sudão. O Sudão era, e ainda é, um país tranquilo, como muitos países africanos. Tínhamos uma grande conexão com a natureza. Brincávamos muito ao ar livre. Temos, comparado com a Europa e outros lugares ao redor do mundo, casas grandes, com amplos quintais, onde podíamos brincar em família. A estrutura familiar no meu país de origem é muito interligada. Eu cresci em Cartum, que é a capital, e é onde os Nilos se encontram.
Há dois Nilos: o Nilo Branco, que vem do Lago Vitória, na Uganda, e depois percorre o Sudão pelo sul. Depois há o Nilo Azul, que começa no Lago Tana, na Etiópia, e depois entra no Sudão pelo lado oriental. Eles se encontram em Cartum, no que chamamos de confluência do Nilo, e se movem juntos para o Mediterrâneo. Portanto, tínhamos essa sensação de crescer nas margens do Nilo, brincar muito com a lama, e sermos capazes de identificar os arredores. Eu realmente desejo que todos possam crescer como eu cresci. Tínhamos também alimentos que eram cultivados localmente, orgânicos, e deliciosos. No entanto, crescer em um ambiente tão bonito não foi o que me levou a trabalhar com questões climáticas. Foi, na verdade, a política local.
A minha entrada no trabalho relacionado ao clima não veio de eu estar consciente da mudança do ambiente, para ser honesta. Eu cursei física na minha graduação, e sempre amei ciência. Eu era uma pessoa realmente voltada para a ciência, e acredito que a ciência pode tornar o nosso mundo um lugar melhor.
Porém, quando eu estava no meu primeiro ano da universidade, os estudantes saíram às ruas contra o governo para protestar contra certas decisões. O governo não estava feliz com isso e, em resposta, enviou algumas das suas forças especiais para a universidade, agredindo os manifestantes e derrubando dois estudantes de uma varanda. Foi muito violento. Creio que um dos estudantes faleceu e o outro ficou gravemente ferido.
Era só o meu primeiro ano, então isso foi assustador para mim. Depois disso, aprendi com meus colegas mais veteranos que essa não era a primeira vez, e que era assim que o governo lidava com todos os problemas da universidade. Posteriormente, a universidade fechou por três meses e meio, então eu tive muito tempo para pensar. Com o que havia acontecido ainda na minha mente, eu pensei sobre como a ciência pode salvar o mundo, apesar dos cientistas não controlarem o mundo. Então me perguntei: "Como os cientistas podem salvar o mundo se ninguém está ouvindo eles?" Eu pesquisei no Google o que pode ser feito e como podemos fazer isso. Foi quando encontrei algo chamado diplomacia científica.
A diplomacia científica implica em usar a ciência em discussões diplomáticas. Na diplomacia científica, os dois maiores tópicos, segundo o Google, são associados às mudanças climáticas e a água. Eu consegui relacionar as mudanças climáticas com a física mais do que consegui relacioná-la com a água. Então eu comecei a ler mais e mais sobre as mudanças climáticas. Foi quando eu realmente percebi que as mudanças climáticas existem e que estavam impactando as pessoas.
Na semana seguinte, eu me ofereci como voluntária em uma das organizações locais que trabalham com o meio ambiente em geral, não especificamente com as mudanças climáticas. Isso foi em 2012. Desde então, eu tenho feito ativismo e trabalhos relacionados às mudanças climáticas. Portanto, isso é como a área da política ter me levado até as mudanças climáticas inicialmente.
Curiosamente, porém, o problema pelo qual os estudantes estavam protestando naquele dia era da área ambiental. O governo decidiu construir uma represa hidrográfica na região norte do Sudão. Eles retiraram as pessoas de suas terras - por trás de cada represa tem um lago - removendo muitas pessoas de suas casas, numa área que seria inundada pela água do lago. Agricultores e pescadores que dependem do Nilo para seu sustento.
Contudo, o governo os levou para um lugar que estava longe do Nilo, longe de plantações e áreas de pesca. Além disso, apenas famílias com casas próprias foram compensadas. Muitas propriedades abrigavam até quatro famílias. Após a realocação, o governo concedeu moradia para a pessoa em cujo nome a casa original estava.
Todas as uniões estudantis na universidade trataram desta questão, e decidiram entregar um memorando ao Ministério da Justiça. Infelizmente, a demonstração foi reprimida com gás lacrimogêneo e muita violência. Foi quando comecei a entender as mudanças climáticas. Minha introdução às mudanças climáticas não é o que as pessoas normalmente esperariam, como, por exemplo, perceber um período de estiagem. Sim, eu vi os padrões da chuva mudarem, e vi que havia agricultores sofrendo. No entanto, isso ocorreu em um estágio posterior, depois que eu realmente entendi a mudança climática teoricamente. Comecei a me envolver cada vez mais com as comunidades locais e as áreas rurais.
Mas eu não entendi o que era a diplomacia científica até realmente praticá-la. Quando as pessoas vão para as COPs, por exemplo - sigla para 'Conferência das Partes', as sessões de negociação de mudanças climáticas - a maioria das pessoas discutindo problemas científicos são políticos ou funcionários do governo. No entanto, a mudança climática é um problema científico. De acordo com a porcentagem das emissões e, de acordo com as diferentes leituras do globo, os cientistas descobriram que o planeta Terra está aquecendo, e este aquecimento está causando muitos efeitos. Mas quem está discutindo essa questão? Não são apenas os cientistas. Por quê? Porque quando falamos de emissões, queremos dizer petróleo e gás. Quando falamos de petróleo e gás, então não é apenas o cientista que se preocupa, é o empresário, os governos e o setor privado. É todo o sistema financeiro, porque a maior parte de nosso sistema financeiro agora é construído com base em petróleo e gás.
Quando também falamos sobre água, são os políticos e funcionários do governo que estão discutindo quem fica com a água. E não deveria ser assim. Portanto, o que a diplomacia científica é, na verdade, é equipar os cientistas para serem capazes de desempenhar esse papel. De ser capaz de negociar, de se comunicar publicamente, de exercer a política em algum momento, se tiverem sucesso. Mas mesmo que não tenham sucesso, a diplomacia científica é sobre, pelo menos, construir um terreno comum ou uma linguagem de compreensão entre eles e os políticos.
Comecei a tratar de negociações sobre o clima depois de vários anos trabalhando com a comunidade local. Toda vez que perguntei ao meu governo, por exemplo, "Por que isso não está acontecendo conosco", eles disseram, "Porque o texto da negociação disse X, Y, Z".
Então, toda vez que tínhamos uma estrada bloqueada, eu descobria que a razão para esse bloqueio é principalmente uma negociação ou o que aconteceu em uma COP ou o que ocorreu no nível da política. Fui para a minha primeira COP apenas para observar, porque a COP é como um grande carnaval, você não pode realmente absorver tudo e compreendê-lo pela primeira vez. Você precisa realmente ser capaz de ir, explorar - e é necessário tempo para entender o processo antes de entrar nele.
Na minha segunda COP, pedi à delegação para me credenciar como parte da delegação formal sudanesa. Entrar nas salas de negociação como parte da delegação do Sudão foi totalmente diferente de ir ao evento como um observador da sociedade civil. O peso de representar todo o país, de 42 milhões de pessoas, eu realmente pude sentir enquanto estava sentada naquela mesa. Antes, as negociações eram realmente difíceis, mas estão ficando cada vez melhores. As decisões normalmente também têm de ser tomadas por consenso. Então, todas as partes precisam concordar, e se uma parte não concorda, então será muito difícil avançar. Portanto, as negociações nem sempre são tão fáceis quanto parecem do lado de fora.
Há guerra no Sudão atualmente. A guerra começou em 15 de abril de 2023, portanto eu realmente não posso dizer que existe um Sudão agora. Eu fiz algumas visitas ao Sudão depois de fugir da guerra. Eu não fui a Cartum porque era impossível ir lá, mas eu fui a Port Sudan e em algumas das áreas circundantes.
Posso dizer que a situação está piorando cada vez mais. Há armas por toda parte. Eles estão forçando a população a se militarizar, até mesmo os jovens.
O espaço cívico está ficando cada vez mais apertado. Os ativistas da sociedade civil realmente estão enfrentando um momento difícil para fazer seu trabalho. O governo, o exército e a inteligência continuam visando os jovens ativistas e continuam levando-os para a cadeia e prendendo-os mesmo sem acusações. Eles fizeram grandes listas de cidadãos que não são desejados no país.
E, claro, todos os outros tópicos como mudança climática, segurança alimentar, segurança da água, nem sequer estão sendo discutidos, porque atualmente as pessoas têm dois interesses: vencer a guerra ou parar a guerra. Todas as outras questões foram relegadas a um segundo plano, o que não é a melhor situação. A guerra está tornando a situação de mudança climática no Sudão muito ruim. Mas como podemos falar sobre mudança climática quando as pessoas esperam ser bombardeadas pela força aérea a qualquer momento? É sempre uma questão de prioridades.
Do ponto de vista global, definitivamente não estamos respondendo o suficiente à mudança climática. É um problema científico e precisa de uma solução científica. Mas mesmo se tivermos uma solução, ela não funcionará porque não há vontade política para implementá-la. Portanto, precisamos de vontade política para investir e encontrar esta solução científica. As soluções científicas precisam de grandes orçamentos que atualmente não temos. Em geral, é muito, muito desafiador convencer as pessoas de que precisamos parar de usar combustíveis fósseis. [Precisamos] focar mais em energia renovável, porque até agora, a energia renovável não está produzindo o suficiente. Mas também precisamos investir em energia renovável e nas tecnologias de energia renovável para podermos obter mais energia delas.
Depoimento concedido para Gugulethu Mhlungu. O artigo foi levemente editado para clareza. A Série 2024-2025 Em Minhas Próprias Palavras foi possível graças ao financiamento da Ford Foundation.