Em agosto, 14 países africanos se reuniram para participar da primeira Rodada de Investimento da história da Organização Mundial da Saúde (OMS) — a nova e inovadora estratégia de financiamento da agência, criada para revitalizar suas finanças. Juntos, esses países se comprometeram com um aporte de US$45 milhões de dólares para ajudar a OMS a continuar seu trabalho essencial na área da saúde global.


Como principal agência internacional de saúde pública do mundo, a OMS precisa de um financiamento robusto para cumprir sua missão. Vinculada às Nações Unidas (ONU), a organização é responsável por coordenar ações voltadas à saúde e ao bem-estar global. Historicamente, seu orçamento depende, em grande parte, de doações públicas e privadas, geralmente repassadas por meio de subsídios de curto prazo. Agora, com o lançamento da nova Rodada de Investimento, surge a oportunidade para que os parceiros façam compromissos financeiros plurianuais desde o início — o que dá à OMS maior flexibilidade orçamentária para enfrentar os desafios e emergências de saúde que surgirem no futuro.

A agência tem como meta garantir pelo menos US$7,1 bilhões de dólares em financiamento para os próximos quatro anos. Esse valor permitirá à OMS financiar iniciativas como o desenvolvimento e a distribuição de vacinas, o combate à crescente resistência antimicrobiana e o fortalecimento de sistemas de saúde nos países que mais precisam — mas, para isso, a organização está reformulando seu modelo de financiamento, em busca de um orçamento mais sustentável que permita cumprir sua missão.

Continue lendo para entender como, exatamente, a Rodada de Investimento pretende tornar isso possível.

Afinal, o que exatamente a OMS faz?

Com 150 escritórios espalhados pelo mundo, a OMS está no centro do sistema global de saúde.

Desde sua criação em 1948, a organização tem prestado assistência técnica a países, estabelecido padrões internacionais de saúde, monitorado e coletado dados sobre questões emergentes, além de atuar como um fórum para a divulgação de informações e recomendações em políticas públicas de saúde.


A OMS desempenhou também um papel fundamental em diversas conquistas históricas na área da saúde pública ao longo das décadas. Entre os destaques estão: a erradicação da varíola, a Iniciativa Global de Erradicação da Poliomielite e sua atuação no desenvolvimento de vacinas contra doenças como ebola e malária.

Como a OMS é normalmente financiada?

Parte do financiamento da OMS vem das contribuições obrigatórias pagas anualmente pelos 196 países-membros da organização. Esse valor é calculado com base em uma porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) de cada país. Esse montante funciona como uma base estável de recursos, da qual a OMS pode depender todos os anos, independentemente do cenário global.

O restante do orçamento da organização é composto por contribuições voluntárias — doações adicionais que podem ser feitas tanto pelos próprios países-membros, além de suas contribuições regulares, quanto por outras agências da ONU, organizações intergovernamentais, fundações filantrópicas, setor privado e outros parceiros. Nos últimos anos, essas contribuições voluntárias representaram mais de três quartos do orçamento total da OMS.

Por que a mudança no modelo de financiamento?

A OMS está testando uma nova estratégia de captação de recursos porque seu modelo anterior não está sendo suficiente. 

Quando foi fundada, quase todo o financiamento da Organização Mundial da Saúde (OMS) vinha das contribuições anuais dos países-membros. No entanto, entre 2022 e 2023, essas taxas cobriram apenas 13% do orçamento da organização, o que deixou a maior parte dos recursos cada vez mais dependente de doações voluntárias.

A maior parte dessas doações vem na forma de subsídios de curto prazo, com verbas destinadas a projetos ou regiões específicas. Isso dificulta prever quais atividades da OMS receberão financiamento adequado em um determinado ano. É como ganhar um vale-presente de aniversário — um gesto sempre bem-vindo, claro, mas com bem mais restrições do que se tivesse recebido dinheiro para gastar como quisesse.

Essa imprevisibilidade no fluxo orçamentário faz com que 60% da equipe dos escritórios nacionais da OMS trabalhe com contratos temporários, o que compromete a capacidade da organização de gerar impacto sustentável a longo prazo. Além disso, as doações fortemente direcionadas limitam a flexibilidade da OMS para responder rapidamente às áreas de maior necessidade ou a crises emergenciais inesperadas, como foi o caso da pandemia em 2020. Na prática, o modelo atual dá aos doadores grande influência sobre as decisões da organização, reduzindo sua autonomia e concentrando poder nas mãos de poucos financiadores abastados.

Entra em cena: a primeira rodada de investimentos da OMS

É por isso que, neste ano, a Organização Mundial da Saúde está fazendo algo radicalmente diferente. Para seu próximo orçamento, a OMS requer US$11,1 bilhões de dólares em financiamento total. Já está prevendo US$4 bilhões em contribuições de membros — restando um déficit de US$7,1 bilhões

Para arrecadar esse valor, a organização aposta em dois caminhos:

  1. Aumentar as contribuições obrigatórias dos países-membros;
  2. Estimular doações voluntárias de longo prazo e com maior flexibilidade de uso.

No primeiro ponto, os governos ao redor do mundo concordaram no ano passado em aumentar suas contribuições anuais em 20%, com o objetivo de ampliar o montante de recursos disponíveis de forma imediata. A meta é que esse aumento seja feito de forma gradual até 2030, quando essas contribuições passariam a cobrir metade do orçamento total da OMS.

É no segundo ponto que entra a inédita Rodada de Investimentos. A iniciativa consiste em uma série de eventos e encontros com potenciais doadores, nos quais serão feitas promessas de financiamento, culminando na cúpula de líderes do G20, presidida pelo presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, em novembro.

Essa é a primeira vez que a OMS estrutura sua arrecadação de fundos dessa maneira. Em vez de depender da combinação tradicional entre promessas fixas anuais e doações pontuais, a nova estratégia busca garantir os recursos com antecedência. A ideia é permitir que a organização possa fazer planejamentos de longo prazo, manter equipes estáveis e direcionar os fundos com mais agilidade para onde forem mais necessários.

Como a OMS pretende usar os US$11,1 bilhões? 

Atingir as metas de financiamento da OMS nunca foi tão urgente. Como afirmou o diretor-geral da entidade, Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus: “A saúde está, possivelmente, mais ameaçada agora do que em qualquer outro momento desde a fundação da OMS.” O mundo enfrenta desigualdades alarmantes no acesso à saúde, agravadas durante a pandemia de COVID-19. Mais da metade da população global não tem acesso a serviços básicos de saúde, e cerca de 2 bilhões de pessoas sofrem dificuldades financeiras por conta de despesas médicas do próprio bolso.

Em sua proposta de investimento, a OMS defende que os US$11,1 bilhões de dólares solicitados são, na verdade, um valor modesto diante do impacto que podem gerar. Esse montante representa apenas uma fração dos quase US$10 trilhões de dólares que o mundo gasta anualmente com saúde. Para ilustrar, o Dr. Tedros destacou recentemente que, só no ano passado, o mundo gastou US$717 bilhões de dólares com cigarros. Os investimentos na OMS, por outro lado, oferecem um retorno excepcional: cada dólar investido gera cerca de US$35 em ganhos de saúde.

Se atingir sua meta de financiamento, a OMS estima que poderá salvar pelo menos 40 milhões de vidas até o fim de 2028. Entre as ações previstas estão:

  • Oferecer atendimento de saúde a mais de 150 milhões de pessoas em 30 países;
  • Levar energia solar a 10 mil unidades de saúde, ajudando na adaptação às mudanças climáticas;
  • Capacitar 3,2 milhões de profissionais de saúde em 55 países.

A África dá o exemplo

Para lançar oficialmente sua Rodada de Investimentos, a OMS reuniu 14 países africanos — Botswana, Cabo Verde, Chade, Congo, Etiópia, Gâmbia, Ilhas Maurício, Namíbia, Níger, Ruanda, Senegal, Seychelles, África do Sul e Tanzânia — que, juntos, se comprometeram a destinar mais de US$45 milhões de dólares à organização nos próximos anos. Importantes instituições também aderiram à causa, como a Gates Foundation e o Banco Africano de Desenvolvimento, reforçando o papel estratégico das parcerias público-privadas na superação desse desafio.

Essas contribuições ganham ainda mais relevância diante do cenário atual, em que países ricos estão reduzindo suas ajudas internacionais. Em contrapartida, as nações africanas estão assumindo a dianteira, demonstrando seu comprometimento com o futuro da saúde, tanto no continente quanto no mundo.

Agora, a OMS conclama todos os países a seguirem esse exemplo. A mensagem é clara: investir em saúde global é uma responsabilidade compartilhada e urgente.

O que vem a seguir

O apelo por financiamento da OMS não se resume a cobrir necessidades imediatas: trata-se de construir um mundo em que a principal agência de saúde pública global tenha a resiliência necessária para enfrentar crises e contribuir para um futuro saudável e sustentável para todos.

A primeira rodada de compromissos assumidos por países africanos é apenas o ponto de partida desse objetivo. A OMS pretende aproveitar esse impulso para garantir novas promessas de financiamento, com foco no encontro de líderes do G20, que acontecerá em novembro. A expectativa é que o evento se torne um momento decisivo para consolidar esse esforço e mobilizar o apoio internacional necessário para alcançar a meta bilionária de arrecadação.

Em um cenário mundial marcado por ameaças à saúde cada vez mais interconectadas, a Rodada de Investimentos da OMS representa uma oportunidade rara para que todos os países ajam de forma concreta em prol da proteção e do bem-estar de milhões de pessoas. Resta torcer para que essa oportunidade não seja desperdiçada.

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Derrote a Pobreza

Como US$ 7,1 bilhões para a Organização Mundial da Saúde (OMS) podem salvar 40 milhões de vidas

Por Victoria MacKinnon