A última conferência do clima das Nações Unidas, a COP29, ganhou o apelido de “A COP das Finanças” por seu foco em questões como quem deve pagar para reparar a crise climática e como?
Em teoria, as finanças climáticas buscam definir sobre como dividir de forma justa os custos dos impactos climáticos. Na prática, porém, a origem desse dinheiro - e como ele é investido - é motivo de intenso debate. Os valores são altos - assim como a complexidade da linguagem dessas negociações.
Para ajudar você a navegar nesse universo, criamos este glossário para decifrar os acrônimos burocráticos e a terminologia confusa. Assim, ninguém se sente intimidado a participar da conversa. Vamos nessa!
1. Finanças Climáticas
Primeiro, é importante esclarecer exatamente o que são as finanças climáticas. De modo geral, elas representam um conjunto global de dinheiro destinado a combater os impactos climáticos. Esse dinheiro vem de várias fontes, incluindo nações mais ricas, bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs, como o Banco Mundial ou o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura), fundos climáticos (como o Fundo Verde para o Clima) e do setor privado, e têm o objetivo de ajudar a financiar iniciativas para reduzir emissões e auxiliar países a se adaptar aos impactos das mudanças climáticas, especialmente os de baixa renda, que, frequentemente, são os mais impactados pela crise climática.
2. Empréstimos Concessionais
Aqui é onde as coisas começam a complicar um pouco - a maior parte desse dinheiro não é simplesmente doada. Grande parte (cerca de 70%) vem em forma de empréstimos, muitas vezes com taxas de juros altas e termos de pagamento que podem prender países vulneráveis em ciclos viciosos de dívidas, deixando eles com ainda menos recursos para combater as mudanças climáticas de fato.
É aqui que entram os empréstimos concessionais. Sendo apenas um termo chique para empréstimos oferecidos a taxas abaixo do mercado, com planos de pagamento generosos para tornar o financiamento mais acessível para as nações em desenvolvimento, sem aumentar ainda mais suas dívidas. Ainda melhores são as doações, ou fundos fornecidos sem qualquer necessidade de reembolso. Infelizmente, menos de 5% das finanças climáticas são doações.
3. Mitigação
As finanças climáticas apoiam amplamente duas áreas principais. A primeira é a mitigação, ou a redução das emissões de gases de efeito estufa que estão causando o aquecimento do planeta. A grande maioria (90%) das finanças climáticas é direcionada a projetos de mitigação, como investimentos em tecnologias de energia renovável ou soluções baseadas na natureza, como o reflorestamento.
Por que a mitigação domina as finanças climáticas? Primeiro, porque ela ataca a raiz da causa das mudanças climáticas, tornando-se uma prioridade óbvia e clara. E, segundo, porque esses projetos tendem a atrair investidores públicos e privados, pois a) seu impacto é relativamente fácil de monitorar e b) eles frequentemente prometem um retorno de investimento claro, como os lucros gerados pela venda de energia renovável. Porém, a mitigação é apenas metade do problema.
4. Adaptação
Também precisamos entender a adaptação. Se a mitigação é sobre prevenir os problemas de amanhã, a adaptação é sobre lidar com o que está acontecendo hoje. Ela foca em fornecer às comunidades os recursos de que precisam para sobreviver aos impactos das mudanças climáticas agora. Isso pode significar construir barreiras contra a elevação do nível do mar, instalar sistemas agrícolas resistentes à seca, ou aprimorar os sistemas de conservação de água em áreas áridas.
Por que os projetos de adaptação recebem apenas uma fração do financiamento destinado à mitigação? Por que as iniciativas de adaptação recebem menos dinheiro? Em parte, porque esses projetos não prometem o mesmo tipo de lucro que investir em algo como energia renovável pode prometer, e, em parte, porque é difícil prever o quanto de dano eles previnem (e quanto dinheiro economizam) a longo prazo. Esses fatores geralmente fazem com que os investidores fiquem mais hesitantes em investir no que entendem como apostas mais arriscadas, mas isso não torna a adaptação menos importante.
5. Perdas e Danos
Perdas e danos é sobre a destruição inevitável causada pelos impactos climáticos, como casas destruídas por enchentes ou terras agrícolas devastadas por secas prolongadas. Obviamente, esses estragos geram custos econômicos para comunidades e países, mas também podem levar a crises na saúde de longo prazo, instabilidade social e perda de oportunidades educacionais. Não é apenas sobre o dinheiro perdido - é sobre justiça.
Essa questão é ainda mais urgente para os países em desenvolvimento. A criação de um Fundo de Perdas e Danos na COP28 foi uma grande vitória para essas nações, mas países mais ricos estão resistindo à obrigatoriedade de contribuições para o fundo, o que não é de se surpreender, dado que os danos relacionados ao clima podem chegar a US$ 580 bilhões anuais até 2030.
6. Novo Objetivo Coletivo Quantificado (NCQG)
Um dos objetivos principais da COP29 tem sido fazer com que todas as partes concordem com um NCQG - ou, traduzindo esse jargão da ONU para uma linguagem mais clara, uma nova meta global de finanças climáticas para todos os países do mundo se dedicarem, bem como um plano de como, onde e quando aplicar esse dinheiro.
O problema principal em concordar com um NCQG? Você acertou: Os custos climáticos são extremamente caros e a maioria dos países reluta em contribuir mais do que são obrigados. Em 2009, países desenvolvidos concordaram com uma promessa anual de US$ 100 bilhões, que não foi cumprida até 2022, o que é ainda mais decepcionante, pois esse valor está bem abaixo do estimado de US$ 1 trilhão por ano necessário até 2030. É uma lacuna de financiamento mais parecida com um abismo, e atualizar esse valor não será uma tarefa fácil.
7. Responsabilidades Comuns, mas Diferenciadas (CBDR)
Consagrado na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 1992, o CBDR é a espinha dorsal moral das finanças climáticas. Ele reconhece que, embora todas as nações compartilhem a responsabilidade de combater as mudanças climáticas, os países mais ricos, que historicamente contribuíram com as maiores emissões, devem arcar com a maior parte do ônus financeiro.
Não é apenas um argumento econômico, mas também de justiça climática. As nações mais ricas construíram sua prosperidade em cima da industrialização intensiva em recursos, e muitos acreditam que o princípio do “Poluidor Paga” deveria ser aplicado, especialmente porque os países que hoje sofrem os maiores impactos frequentemente são os menos financeiramente equipados para lidar com eles.
No entanto, as nações mais ricas argumentam que o cenário global mudou muito desde 1992, e a lista de países que devem pagar precisa ser expandida de acordo com essa mudança. Por exemplo, a China é hoje o maior emissor do mundo, e economias fortalecidas como a Índia ou o Catar deveriam, teoricamente, contribuir muito mais do que poderiam há três décadas atrás, quando essas classificações foram definidas pela última vez. Atualmente, nenhuma dessas nações é legalmente obrigada a contribuir para o fundo global de finanças climáticas.
8. Transição Justa
De forma semelhante, a transição justa se refere à mudança para uma economia verde e baixa em carbono, baseada na equidade, garantindo que os benefícios criados sejam amplamente compartilhados de forma justa em todas as sociedades. Para as comunidades e trabalhadores que dependem das indústrias de combustíveis fósseis, isso significa investir em treinamento e redes de segurança social para facilitar uma mudança rápida do carvão, petróleo e gás. Um ótimo exemplo é encontrado na Alemanha, que investiu pesado em recondicionamento de trabalhadores do carvão para novas carreiras em energia renovável. Essa estratégia também acaba sendo uma boa forma de promover a mudança para longe dos combustíveis fósseis — quando as pessoas aprendem sobre novas oportunidades econômicas prometidas pela economia verde, elas têm mais chances de apoiar as ações climáticas.
9. Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs)
Sob o Acordo de Paris, os países submetem NDCs, ou planos de ação climática, destacando seus objetivos para a redução de emissões e adaptações aos impactos climáticos. Elas devem ser atualizadas a cada cinco anos, refletindo a crescente ambição de limitar o aquecimento global dentro da meta acordada de 1,5°C.
Acreditamos que as NDCs precisam ser ousadas, inclusivas e viáveis. Crucialmente, isso significa incluir contribuições de diversos stakeholders, especialmente vozes indígenas e grupos marginalizados. Também significa estabelecer metas específicas e mensuráveis de adaptação, com sistemas de responsabilização claros para garantir que o progresso seja realmente feito.
10. Subsídios e Impostos sobre Combustíveis Fósseis
Qualquer plano de finanças climáticas estaria incompleto sem a introdução de reformas financeiras sistêmicas, incluindo novos impostos, a realocação de Direitos Especiais de Saque (SDR) por meio de bancos multilaterais de desenvolvimento, ou o incentivo ao setor privado a nos ajudar a atingir o objetivo de um trilhão de dólares necessário para as finanças climáticas.
Os governos poderiam fazer isso eliminando os subsídios aos combustíveis fósseis (ou isenções fiscais financiadas pelo governo que tornam o carvão, o petróleo e o gás artificialmente baratos), como o G7 prometeu fazer em 2016. Porém, os subsídios para a produção de petróleo, gás e carvão só aumentaram desde então, atingindo US$ 1,5 trilhão em 2022 (o que, se você notar, é mais do que o necessário para cobrir as metas climáticas globais de 2030). Redirecionar esses fundos para a energia renovável poderia acelerar drasticamente uma transição justa.
Além disso, implementar impostos ou taxas sobre lucros de combustíveis fósseis, sobre bilionários e sobre atividades altamente poluentes, como transporte marítimo e aviação, também poderia ajudar a fechar a lacuna de financiamento de um trilhão de dólares e garantir que aqueles com as maiores pegadas de carbono contribuam para as soluções climáticas.
O Que Tudo Isso Significa
Aqui está o ponto principal: sem financiamento adequado, as metas políticas e climáticas não passam de promessas vazias. Seja aumentando a energia renovável, protegendo comunidades vulneráveis ou compensando nações por perdas irreparáveis, o dinheiro determina o que é possível.
Compreender a linguagem das finanças climáticas não é apenas para especialistas políticos - é essencial para se envolver completamente com possíveis soluções à vista e responsabilizar os tomadores de decisões por suas promessas. Com as apostas tão altas, a clareza, junto com a ação, são fundamentais para qualquer iniciativa em defesa de um futuro sustentável e justo para todos, para que nenhum país seja deixado para trás.