A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera as vacinas uma das maiores inovações médicas de todos os tempos, prevenindo até 5 milhões de mortes por ano e salvando pelo menos 154 milhões de vidas nos últimos 50 anos. No entanto, 67 milhões de crianças deixaram de receber uma ou mais vacinas nos últimos anos, aumentando o risco de novos surtos de doenças infecciosas impulsionados pelas mudanças climáticas, pelo crescimento populacional e por conflitos em escala crescente. A questão não é se uma nova emergência sanitária acontecerá, mas quando.
É aí que entra a Gavi, a Aliança para Vacinas. A organização traçou uma meta ambiciosa para os próximos cinco anos: vacinar 500 milhões de crianças, salvar entre 8 e 9 milhões de vidas e gerar mais de US$100 bilhões de dólares em benefícios econômicos para os países que apoia.
Para alcançar esse objetivo, a Gavi precisa arrecadar US$9 bilhões de dólares adicionais por meio de sua próxima campanha de financiamento. Pode parecer um valor elevado, mas as vacinas estão entre as ferramentas mais eficazes e com melhor custo-benefício disponíveis para os formuladores de políticas públicas que desejam melhorar a vida de bilhões de pessoas e construir um mundo mais justo e seguro.
A seguir, explicamos tudo o que você precisa saber sobre a Gavi e sua nova campanha de arrecadação - e por que essa é uma das apostas mais certeiras em saúde global.
O que é a Gavi?
A Gavi foi criada em 2000 como uma parceria público-privada entre governos, agências das Nações Unidas e fundações filantrópicas. Sua missão central é levar aos países mais pobres do mundo as mesmas vacinas que salvam vidas, como as contra poliomielite ou rubéola, e que estão amplamente disponíveis para bebês nascidos em nações mais ricas.
Atualmente, a Gavi apoia países no combate a 20 das doenças infecciosas mais graves do mundo. Para receber financiamento da Gavi, o país precisa ter uma renda nacional bruta (RNB) per capita inferior a US$1.810 dólares, o que significa que apenas os lugares mais vulneráveis, como Haiti, Síria e República Democrática do Congo, são elegíveis.
Como funciona?
A Gavi adota um modelo de parceria único, colaborando com os países para comprar vacinas em grandes quantidades, reduzindo os custos e permitindo que os fabricantes tenham acesso a novos mercados no Sul Global que, de outra forma, poderiam ser considerados arriscados demais. A Aliança opera com um orçamento enxuto, garantindo que 97 centavos de cada dólar investido sejam destinados diretamente aos programas de vacinação.
Os países que recebem apoio da Gavi devem co-financiar seus programas de imunização e aumentar gradualmente suas contribuições até conseguirem cobrir todos os custos de forma independente. Atualmente, a Gavi apoia 54 países, mas 19 já concluíram sua participação no programa desde o lançamento da iniciativa, o que reforça seu papel como um impulso de curto prazo - e não uma dependência de longo prazo.
O que a Gavi já conseguiu até agora?
Em pouco mais de duas décadas, a Gavi conquistou avanços históricos. Embora já saibamos que as vacinas são incrivelmente eficazes em salvar vidas, o modelo da Gavi amplifica seu impacto - até agora, ajudou a imunizar mais de 1 bilhão de crianças, o equivalente a cerca de um oitavo da população mundial.
As vacinas financiadas pela Gavi já salvaram mais de 18 milhões de vidas. Em 2000, apenas 47% das crianças em países de baixa renda haviam recebido as vacinas básicas. Em 2019, esse índice saltou para 82%, com o apoio da Gavi.
Esses números impressionam ainda mais quando se considera que a vacinação é um dos investimentos mais inteligentes em desenvolvimento econômico: para cada dólar investido em imunização, há um retorno de US$54 dólares em benefícios econômicos mais amplos, permitindo que as pessoas prosperem e fortaleçam as comunidades.
Quais Desafios a Gavi Enfrenta?
Apesar dos avanços notáveis, o acesso universal às vacinas ainda está longe de ser alcançado. Em 2023, havia uma estimativa de 14,5 milhões de “crianças zero dose”, ou seja, que não receberam nenhuma vacina. Esse grupo representa quase metade de todas as mortes infantis causadas por doenças evitáveis com vacinação.
A pandemia de COVID-19 também interrompeu o progresso da imunização, fazendo com que a cobertura vacinal global caísse pela primeira vez em décadas - e, até hoje, os índices ainda não voltaram aos níveis pré-pandemia de 2019. Além disso, as mudanças climáticas e a resistência antimicrobiana afetam desproporcionalmente os países de baixa renda onde a Gavi atua, aumentando os riscos de surtos. Só neste ano, vários países africanos enfrentaram um novo e agressivo surto de cólera diretamente relacionado às mudanças climáticas.
A desigualdade no acesso às vacinas também persiste. O Mpox (antes conhecido como varíola dos macacos) foi recentemente declarado emergência de saúde pública internacional após se espalhar por países africanos com estoques extremamente limitados de vacinas. Agora, mais do que nunca, é essencial que a comunidade internacional se una para enfrentar esses desafios globais, inclusive apoiando o trabalho da Gavi.
Mas afinal, o que é uma “campanha de reabastecimento”?
Assim como outras organizações internacionais, a Gavi arrecada recursos por meio de “campanhas de reabastecimento”, nas quais busca financiamento de países ricos e instituições parceiras por meio de compromissos multilaterais válidos por vários anos. Neste ciclo, a Gavi está solicitando um adicional de US$9 bilhões de dólares para ajudar a cobrir seu orçamento de US$11,9 bilhões de dólares para o período de 2026 a 2030.
O que a Gavi Planeja Fazer com US$11,9 Bilhões?
O próximo plano da Gavi é o mais ambicioso até agora. Se for totalmente financiado, poderá levar quatro novas vacinas a países vulneráveis em todo o mundo, tornando esta geração, potencialmente, a mais protegida da história.
Especificamente, a Gavi pretende:
- Ampliar os Esforços de Imunização
Acelerar o ritmo de vacinação, imunizando 1 bilhão de crianças em dez anos (500 milhões nos próximos cinco). A meta é salvar entre 8 e 9 milhões de vidas até 2030.
Investir US$5 bilhões de dólares em infraestrutura de imunização, cadeias de suprimento, gestão de dados e ferramentas de saúde para viabilizar esse objetivo.
Destinar US$250 milhões de dólares em fundos emergenciais, pela primeira vez, para países de renda média, a fim de manter as taxas atuais de vacinação.
- Introduzir Novas Vacinas
Ampliar seu portfólio de imunização de 20 para 24 doenças, incluindo novas vacinas contra tuberculose (TB), shigella, dengue e hepatite E.
Utilizar US$1,1 bilhão de dólares para distribuir duas vacinas recém-aprovadas contra a malária, imunizando 50 milhões de pessoas contra a doença que hoje mata mais de mil crianças por dia.
- Promover Equidade e Fortalecer os Sistemas de Saúde
Investir em iniciativas como o “Big Catch-Up”, que visa aplicar vacinas perdidas durante a pandemia, e o Day-Zero Financing Facility, que destinará US$2,5 bilhões de dólares a países de baixa renda durante emergências de saúde pública.
Facilitar mais de 1,4 bilhão de encontros entre famílias e profissionais de saúde, criando oportunidades ideais para combinar a vacinação de rotina com outros serviços essenciais, como apoio nutricional e acesso à água potável.
- Investir na Produção Local de Vacinas:
Fortalecer a infraestrutura de fabricação de vacinas local por meio do African Vaccine Manufacturing Accelerator (AVMA), em parceria com instituições regionais como a União Africana. Atualmente, 99% das vacinas aplicadas na África são importadas, e o continente representa menos de 0,1% da produção global de vacinas, o que o torna vulnerável à retenção de estoques por países ricos, atrasos logísticos e, consequentemente, a taxas de mortalidade mais altas que poderiam ser evitadas.
Subsidiar os custos iniciais de fabricação com apoio do AVMA, viabilizando a produção de ao menos 800 milhões de doses fabricadas na África até 2035.
Os próximos cinco anos serão decisivos para a Gavi. As últimas duas décadas demonstraram a força e a eficácia do modelo da Aliança - agora, seu sucesso contínuo depende da vontade política de seus doadores. Sob a administração Biden, os Estados Unidos anunciaram um compromisso de US$1,58 bilhão de dólares, mas o Congresso ainda precisa aprovar a liberação desses recursos.
Investir em vacinas não é apenas essencial para uma boa política de saúde pública, mas também um catalisador para tirar pessoas da pobreza. A pandemia de COVID-19 deixou claro que doenças não respeitam fronteiras. Para evitar a próxima crise sanitária global, apoiar a campanha de reabastecimento da Gavi pode ser a melhor aposta para manter todos saudáveis e em segurança.